O polêmico episódio de Angico Parte I - Por:Juliana Ischiara

O cangaceirismo no nordeste brasileiro é, sem sombra de dúvida, um dos capítulos mais estudados acerca da construção histórica e sociocultural nordestina. Não por acaso, todo pesquisador do fenômeno cangaço terá que, também, estudar coronelismo, não sendo possível divorciá-los, pois estão intimamente ligados.

Sabemos que o cangaço nordestino surgiu no século XIX, porém, suas primeiras versões dão conta de um cangaço por vingança e, em um segundo momento, como refúgio para aqueles que praticaram suas vinganças pessoais. Passando por estes dois tipos de cangaço, chegamos ao seu último e mais estudado, o cangaço como meio de vida, ou seja, aquele liderado por Virgulino Ferreira da Silva, vulgo Lampião. Porém, entendo que Virgulino aderiu ao cangaço vingança e, posteriormente, ao cangaço refúgio, posto não ser mais possível viver socialmente onde nasceu e onde vivia com seus familiares, em razão da querela com os “Saturnino”.

Uma vez no cangaço, Virgulino toma gosto pela vida bandoleira, vida esta de incertezas, crimes, poder e dinheiro. O então Virgulino torna-se Lampião e, este sim, passa a viver e a liderar o cangaço meio de vida. Saques, mortes, estupros, lesões e demais violências passam a fazer parte do cotidiano do grupo liderado por ele. Atrevo-me a dizer que os crimes elencados eram o método de “trabalho” dos cangaceiros, posto que em suas torpes cabeças, todos que sofriam suas investidas eram merecedores de tais ações.


Porém, em se tratando do estudo do cangaço, todos os pesquisadores esbarram no que eu ouso chamar de problemática maior ou desafio maior, que é dissociar o real da fantasia. Sabemos que não é uma tarefa fácil separar a verdade dos muitos fatos mentirosos e fantasiosos, mas uma coisa é certa, o último episódio envolvendo o cangaço liderado por Lampião, tornou-se o grande quebra-cabeças para todos que o estudam e pesquisam.


O polemico episódio de Angico, por ser muito controverso, tornou-se o grande mistério e não poderia ser diferente. Se não, vejam;

(...) Um aspecto que chama a atenção dos que se dedicam ao estudo de sua biografia é que, nos dias em que se estabeleceu no Angico, Virgulino Ferreira da Silva pareceu perder um dos seus maiores dons, o da previsão. Sertanejo calejado, bom almocreve, estrategista notório, líder carismático, Lampião era, também, o mágico, o bruxo das caatingas. Sabia antecipar o roteiro das volantes pela observação do comportamento dos pássaros ou de um animal desgarrado.

(...) em Angico, contudo, nada disso ocorreu. O “Capitão”, muito confiante na sua rede de proteção ou, já com o “corpo descoberto”, pois sua magia perdera efeito no leito seco do riacho que corria próximo ao coito (...), deixou-se levar pela inércia e acreditou que tudo estava sobre controle. (Ferreira Neto, pg. 248)

Ora, como pesquisadora do cangaço, penso que Angico é um lugar geograficamente desfavorável para um combate, porém, tecnicamente, o lugar não poderia ser melhor, pois Angico fazia parte da fazenda de um de seus mais chegados e confiáveis coiteiros, no caso Pedro de Candido e família.

A referida fazenda pertencia à jurisdição de Porto da Folha, Sergipe, que tinha como interventor Eronides Carvalho, um velho conhecido e amigo de Lampião. Atravessando o São Francisco, estava Piranhas, nas Alagoas, onde o comando militar encontrava-se sob as ordens do Tenente João Bezerra, que nas palavras de Billy Jaynes Chandler em seu ‘Lampião: o rei dos cangaceiros’, “João Bezerra não participou voluntariamente no ataque a Angico. Não era ele um exemplo de coragem, nem de honestidade e, na verdade, era um daqueles oficiais suspeitos de traficar com os cangaceiros” (pg. 245).

Eronildes de Carvalho


Segundo Durval Rosa, Pedro, seu irmão, teria levado dois sacos de munição a Lampião a mando de João Bezerra. O comum, ao lermos esta afirmativa feita por Durval, é nos perguntarmos: Porque Bezerra municiaria Lampião se combateria com ele no dia seguinte? Penso que esta pergunta poderá ser respondida com outras perguntas: João Bezerra, caso tenha realmente mandado a munição por Pedro, contava com o ressentimento e ou inveja de Joca Bernades, que daria com a língua nos dentes no dia seguinte? Mesmo estando no comando, João Bezerra tinha como impedir Ferreira de Melo de cumprir sua obrigação enquanto militar?

O fato é que estas são perguntas difíceis de responder, dado ao simples fato de que todos aqueles poderiam falar ou falaram sobre isso, tiveram seus discursos desacreditados, como Durval Rosa, Sila, Zé Sereno, sem contar o próprio Pedro que, como disse Billy Chandler, também, teve uma morte cercada de mistérios em 22 de agosto de 1941. Pedro teria sido confundido com um bicho, ou seja, apenas 3 anos após o episódio de Angico. Teria sido a morte de Pedro de Candido uma queima de arquivo, posto que ele sabia mais do que deveria? Mais um mistério de Angico...

Continua...

Juliana Ischiara

6 comentários:

Aderbal Nogueira disse...

Pois é Juliana, sempre dando um nó na cabeça dos outros. Como vamos desfazer esse engodo? É esperar o Cariri Cangaço para desfazê-lo ou enrolar mais ainda.
Aderbal Nogueira

Helio disse...

Angico é realmente inesgotável, que venha o Cariri Cangaço para mais uma vez bebermos na fonte, como diz o senhor Aderbal.

Professor Mario Helio

Anônimo disse...

Sempre leio seus artigos, me encho de tanta cultura...espero vê-la no seminário e assim desvendarmos parte dos mistérios de Angico.

Profª Isabel Zastani

Anônimo disse...

Juliana, Angico era o mais seguro lugar onde Lampião poderia esta, concordo com vc, na verdade se houve negligencia foi por excesso de confiança: Eronildes, João Bezerra, Pedro de Candido, ora, o home tava se sentindo em casa, s´´o naõ contava com a decião do Loureiro a mando de Getulio, aí Lucena ficou sem saída.

Abraços e até o Cariri Cangaço 2011
Fernando Cesar L Verde

IVANILDO SILVEIRA disse...

ESSA AMIGA JULIANA SABE DAS COISAS..!!

EXCELENTE ARTIGO..!!

COMO SEMPRE, O ESTUDO DO COMBATE DE ANGICOS É UM CAPÍTULO A PARTE NA HISTORIOGRAFIA DO CANGAÇO....QUANTO MAIS SE LÊ, SE PESQUISA, MAS INDAGAÇÕES SURGEM, COMO ALGUMAS LEVANTADAS POR JULIANA..

ABRAÇO A TODOS, E, NO CARIRI-CANGAÇO, VAMOS DISCUTIR O TEMA, COM MAIOR EMPENHO E PROFUNDIDADE, USANDO O BOM SENSO, A LÓGICA E A RAZOABILIDADE, SEM NOS APEGARMOS A DOGMAS, RADICALISMO OU OPINIÕES JÁ DESGASTADAS PELO TEMPO, POR FALTA DE EMBASAMENTO E QUE NÃO SE COADUNAM COM O ACONTECIMENTO HISTÓRICO...
SEPARAR, O JÓIO DO TRIGO, NÃO É TAREFA FÁCIL...rsrsrsrs

IVANILDO SILVEIRA
Colecionador do cangaço
Natal/RN

Juliana Ischiara disse...

Pois é Aderbal, esta é uma das missões do pesquisador, a inquietação em relação a história tida como oficial, em sendo assim,vamos ter que esperar pelo Cariri Cangaço para ao menos tentar desvendar este engodo.

Caro Helio, também com concordo com você e Aderbal, angico é mesmo um assunto inesgotável, por isso é tão instigante.

Prezada Profª Isabel, obrigada por suas palavras, com certeza nos veremos no seminário e quem sabe, saiamos de lá com pelo menos parte deste mistério desvendado.

Caro Fernando, obrigada pela colaboração.

Mestre Ivanildo, muito obrigada por suas palavras gentis, elas me incentivam demasiadamente a continuar estudando.

Saudações Cangaceiras e um abraço fraterno.

Juliana Ischiara