Viagem à Paulo Afonso: Uma aventura cangaceira recheada de aprendizagem Por:José Cícero

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José Cícero

Em nossa recente viagem com destino a Paulo Afonso na Bahia, onde participaríamos do Seminário comemorativo ao Centenário de Maria Bonita - 2011 – Eu, Manoel Severo, Bosco André e o bonapartiano Francês Jack de Witte fizemos uma proveitosa parada na fazenda Piçarra no município de Jati, tudo ciceroneado por nosso timoneiro-mor Manoel Severo, o "cara" do Cariri Cangaço.

De pronto, formos recebidos com a maior das afabilidades sertanejas. Até porque o Severo é, por assim dizer, um antigo amigo do atual proprietário Vilson Santana, este, por sinal, neto do afamado Antonio da Piçarra que, de quebra, foi durante muito tempo um dos maiores coiteiros de Lampião nesta parte do Cariri cearense. Estámos já nas terras do Jati.

Como um bom prosador, após as apresentações de praxes, Vilson falou-nos da relação do seu avó com Virgulino, esmiuçando informações das mais preciosas para quem deseja compreender no seu nascedouro a história, muito além das invencionices mirabolantes dos que escrevem (às vezes) sem muita preocupação com a veracidades dos fatos e seus desdobramentos vindouros.
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José Cícero, Bosco, Jack e Vilson, na Piçarra
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Diga-se de passagem, muitos dos ricos relatos do jatiense, além de inéditos, não os encontramos facilmente na chamada historiografia oficial do cangaço por toda sorte de motivos... Por isso, eis a grandeza da visita. Algo que, ao meu ver, já valeria a pena ter empreendido tal caminhada. Uma proesa engendrada pelo mestre Severo e que muito agradeço por tê-la vivenciado.

Na Piçarra abraçamos a história como se diz, na carne viva. Ainda, com direito até mesmo a sentarmos no velho banco centenário da casa. Uma relíquia das mais interessantes e rara aos estudisoso contemporâneos. Pois naquele banco de madeira carcomida pelo tempo, um dia certamente sentaram para um dedo de prosa, além do seu dono(Antonio da Piçarra) o tenente Arlindo Rocha e, quiçá o próprio rei do cangaço com seu bando quando das diversas vezes que descansaram por aquelas bandas com destino ao Pernambuco ou quando adentrou o sul do Cariri na busca da Serra do Mato do Cel. Santa na Goianinha(Jamacaru) de Missão Velha, Juazeiro do Padre Cícero, Barro de Zé Inácio ou a célebre fazenda Ipueiras do coronel Izaías Arruda em Aurora.

Sentar naquele banco antigo, foi como voltar no tempo. Um momento especial, daqueles que nos enchem de memórias e de orgulho...Ouvindo a fantástica narrativa do seu atual proprietário. Como se estivéssemos efetuando um grande mergulho no fundo escuro da história.

Registramos tudo por anotações, gravações e fotos. Reversamos no ofício de fotógrafo: Eu e o Severo. Com a mesma sofreguidão de seres apressados sempre preocupados com o fantasma do esquecimento e a exigüidade do tempo e da própria vida. Mas, não. Creio que nossa maior preocupação e cuidado continua sendo de fato, com a preservação de uma saga que a posteridade não poderá por nenhum motivo deixar de conhecer. E, que de algum modo, nós é que seremos os responsáveis por sua continuidade ou pelo seu desaparecimento no futuro.
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Aqui com o anfitrião, João de Sousa Lima
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(...) Foi uma viagem das mais ricas e proveitosas. Daquelas que nunca voltamos do mesmo jeito. Posto que assimilamos uma série de novos e importantes conhecimentos. E isso não tem preço, posto que nos valem pela vida inteira...

Seguimos estrada afora. Jack, o pesquisador francês, queria ver caatinga, mandacarus, xiquexique, coroa-de frade, enfim, todas as nossas cactáceas em conjunto. Talvez quem sabe, querendo enxergar por meio delas, todas as agruras e o sofrimento de uma gente que a própria Europa, possivelmente um dia só (re)conheceu como miseráveis.

Mas não. Jack com seus próprios olhos cor de anil, pôde finalmente constatar que o sertão que os outros o dizem de longe, é uma invenção. Uma miragem das mais espinhentas quase teatralizada, repleta de ‘segundas intenções’. Portanto, muito além da realidade que vimos e sentimos ao pisar seu chão sagrado como fizemos naquele instante ímpar e singular.

De alguma maneira, diria que o amigo francês, entusiasta da história lampiônica, ficou loiteralmente extasiado pela constatação inequívoca de um sertão belo e possível, muito além das invenções mentirosas dos poderosos, tanto daqui quanto do além-fronteira.

José Cícero, Decano Alcino Costa, Aninha do Ó e Dr. Pedro Luiz

E um pouco mais a frente, após avistar toda a grandeza do São Francisco, sob o indicativo quase sempre em riste do memorialista Bosco André, Jack certamente provaria com entusiasmo da implacável assertiva conselheira de “o sertão vai virar mar”....

Prolixo diálogo, o tempo todo daquela viagem. Conquanto, sempre ao volante imerso em um turbilhão de palavras e explicações pertinentes Severo já se transformara no guia do grupo. Presumo, que uma grande alegria de neocangaceiros do conhecimento como que seguindo os mesmos passos de Lampião e seu bando pela história afora. Pela vida e caatinga adentro....

E eu, mais em silêncio mergulhado em pensamentos. Olhava tudo imaginando: quanto este Brasil é grande. O São Francisco imenso. E Lampião uma figura singular que conseguiu venceu todas as fronteiras do mundo e do tempo sem ao menos sair deste Nordeste.
José Cícero - Aurora-CE
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