O Nordeste Gonzagueano Por: Juliana Pereira



Lá no meu pé de serra, deixei ficar meu coração..., ai que saudades tenho, eu vou voltar pro meu sertão...” Este foi o “dia do fico” para nação nordestina no que concerne a ocupação do espaço cultural no cenário nacional
A cultura nordestina, o sertão, o modo de viver, ver e sentir dos nordestinos, assim como o espaço regional, a diversidade climática, festas, alegrias e tristezas, secas e chuvas, oração e desespero, cabra valente e cabra frouxo, mulher séria e homem trabalhador, elementos caracterizadores da nação nordestina, passou a se fazer presente na obra poética e musical de Luiz Gonzaga.

A introdução do Nordeste no universo sulista, de forma mais intensiva, deve-se a Luiz Gonzaga e, embora não tenha sido ele o primeiro, foi, sem sombra de dúvida, o mais completo, abrindo as porteiras do sertão nordestino para o resto do país, transformando-se em porta-voz de um povo que, até então, ainda era considerado como nortista. O Norte e o Nordeste ainda não eram percebidos como regiões distintas e, mesmo depois da divisão geográfica feita pelo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 1941, o Brasil ainda era visto como norte e sul ou sudeste.
Luiz Gonzaga, ao chegar ao Rio de Janeiro, no final da década de 30 do século XX, começou a tocar em bares e depois no mangue, a priori não tocava baião, a necessidade da sobrevivência lhe obrigava a execução da valsa, samba-canção e outros gêneros que faziam sucesso na época. Foi no início da década de 40 do século XX que um grupo de estudantes nordestinos, que viviam no Rio de Janeiro, descobrira o sanfoneiro e pedira-lhe que tocasse algo do Nordeste e, neste momento nascia o baião conhecemos, segundo Câmara Cascudo, este estilo musical teve sua origem no século XIX, e ganhou uma roupagem nova com Luiz Gonzaga:
O baião dança popular preferida durante o século XIX no Nordeste do Brasil. Renato Almeida informava que dançar o baião era dançar o baiano, como se usava de Sergipe a são Paulo. Em vez da umbigada, atirava-se com os dedos um estalo de castanhola, na direção da pessoa escolhida, e aí começava o baião. Entre os cantadores sertanejos, o baião não é canto nem dança. É uma breve introdução musical, executada antes do desafio, antes do debate vocal entre os dois cantadores. Denomina-se também rojão ou rojão de viola. Somente a partir do século XX, mais precisamente a partir de 1946, o sanfoneiro pernambucano Luiz Gonzaga divulgou, pelas estações de rádio do Rio de Janeiro, o baião, modificando-o com a inconsciente influência local dos s ambas e das congas cubanas. (2000: 42)
Depois de ganhar espaço nas rádios do Rio de Janeiro, o baião passa a ser um veículo divulgador da cultura nordestina, falando dessa nação aos quatro cantos do país. O homem nordestino, quase sempre esquecido, encontra em Luiz Gonzaga um instrumento divulgador de um povo sem voz, como define Câmara Cascudo:
Gonzaga era a paisagem pernambucana, águas, matos, caminhos, silêncios, gente viva e morta. “O artista Gonzaga nunca se separou do homem sertanejo que jamais esqueceu suas raízes e cantou sua saudade e todo o amor que tinha pelo sertão e seu povo. Tanto que a sua obra é um verdadeiro acervo cultural do Nordeste, onde se encontra o perfil completo da região, com todos os seus personagens e os seus detalhes”. (Cascudo in Oliveira, 2000: 199)
Para falar dos sentimentos nordestinos, Luiz Gonzaga começou por ele mesmo, em 1945, em parceria com um dos seus mais expressivos e importantes parceiros, Humberto Teixeira, nascendo o xote intitulado No meu Pé de Serra, que foi lançado em 1946. 
Lá no meu pé de serra
Deixei ficar meu coração
Ai que saudades tenho
Eu vou voltar pro meu sertão
No meu roçado eu trabalhava todo dia
as no meu rancho eu tinha tudo o que queria
Lá se dançava quase toda quinta feira
Sanfona num faltava
E tome xote a noite inteira
 (No Meu Pé de Serra, L. Gonzaga /
H. Teixeira, 1946, RCA Victor)
Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira
Neste xote percebe-se a saudade que lhe cortava o coração, as lembranças do “sertão da saudade”, onde se trabalhava, onde se festejava e onde nada lhe faltava, pois, o que tinha era suficiente para se viver bem e feliz. O vivido na cidade neste momento se contrapunha ao vivido no sertão, daí a saudade e o desejo de voltar, pois, o trabalho não tinha o mesmo sentido que no sertão, não lhes proporcionando o mesmo prazer e não se comemorando a noite sob as estrelas e ao soar da sanfona, a felicidade de se ter um roçado e um rancho. Na cidade é diferente e só lhe resta agora falar desse sertão em forma de música, para manter viva a lembrança de que, para ele, seria o sertão nordestino o lugar mais seguro para guardar seu coração. E não poderia ser diferente, como bem disse o grande mestre Luz, “é preciso ser fort e, valente, robusto e nascer no sertão, tem que suar muito pra ganhar o pão, pois a vida lá “né” brinquedo não.”
Juliana Pereira
Pesquisadora, Conselheira Cariri Cangaço

Referências Bibliográficas:
ALBUQUERQUE Jr, Durval Muniz de. A invenção do Nordeste e outras artes. 2ª ed. Recife: FJN, Ed. Massangana; São Paulo: Cortez, 2001
ANDRADE, Manuel Correia de. O Nordeste e a Questão Regional. 2ª ed. São Paulo: Ed. Ática, 1993.
CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do Folclore brasileiro. 9ª edição. São Paulo: Global, 2000.
OLIVEIRA, Gildson. Luiz Gonzaga: o matuto que conquistou o mundo. 7ª edição. Brasília: Letraviva, 2000.
VIEIRA, Sulamita. O Sertão em Movimento: a dinâmica da produção cultural. São Paulo: Annablume, 2000


9 comentários:

Anônimo disse...

Amigos do Cangaço, sabe-se que muito do mito de Lampião deve-se ao cancioneiro popular, notadamente os emboladores, cordelistas, enfim;que passavam de feira em feira, levando as "façanhas sanguinárias" do chefe cangaceiro.

Depois vamos ter o grande Luiz Gonzaga canatando Lampião e levando aos palcos a indumentária "vagueira/cangaceira", principalmente o famoso chapéu de aba virada...

Pergunto aos amigos: Se tem notícia ou informação dessa Pseudo ligaçã entre o Rei do Baião e o Rei do Cangaço; ou Lua apenas usou aliatoriamente aquele tpo de cahé e veste?

Renata Sobreira - Caruaru , pernambuco

Anônimo disse...

No último parágrafo saiu truncado, quis dizer:

Se tem notícia ou informação dessa pseudo ligação entre o Rei do Baião e o Rei do Cangaço; ou Lua apenas usou aliatoriamenet aquele tipo de chapéu e vestes?

Renata

Anônimo disse...

Digo: Chapéu e vestes?
Renata

Anônimo disse...

Luiz Gonzaga chegou a conhecer Virgulino????

Luiz Ramalho - Natal

Juliana Ischiara disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Juliana Ischiara disse...

Caros colaboradores, Renata e Luiz:

Respondendo suas perguntas:

Bem, Luiz Gonzaga não chegou a conhecer Lampião, apesar se ser um sonho, segundo ele disse em algumas entrevistas, segundo ele, "conhecer Lampião era o sonho de todo menino do sertão.”

Porém, quando Lampião atravessou Pernambuco em direção a Juazeiro do Norte, atendendo um chamado de Padre Cícero, com intenção de combater a Coluna Prestes, surgindo para o menino Luiz à oportunidade tão esperada, conhecer seu herói.

Nesta ida de Lampião a Juazeiro, correu o boato de que o bando cangaceiro passaria pela serra do Araripe, nesta ocasião algumas famílias temendo o bando esconderam-se nas matas, as margens do rio Brígida, inclusive a família de Luiz Gonzaga, ocasião em que Gonzaga reclamara a mãe o fato de está perdendo a oportunidade de conhecer seu herói.

Quanto à indumentária gonzagueana. Em 1947 quando Gonzaga tocava na rádio Nacional, e via o gaúcho Pedro Raimundo tocando vestido com a indumentária gaúcha, teve a idéia de prestigiar sua região, então pediu que sua mãe lhe mandasse um chapéu igual ao de lampião, passando a usá-lo em publico e quando fazia fotos. Porém, quando foi à rádio Nacional com o tal chapéu, foi barrado, pelo diretor artístico Floriano Faissal, este alegou que cangaceiro não tocava na Nacional. Como era obstinado, Gonzaga teve a idéia de acrescentar a indumentária usada pelos vaqueiros nordestinos, claro! O chapéu continuaria com o mesmo modelo usado pelos cangaceiros, e assim, ele conseguiu espaço. Pois não estaria fazendo uma apologia direta ao cangaço, mas também aos vaqueiros.

No mais, o mestre Lua sempre afirmou em suas entrevistas ao longo de sua vida que conhecer Lampião sempre fora um sonho, mas nunca foi realizado.

Espero tê-los respondido a contento.

Um abraço fraterno.

Juliana Ischiara

Anônimo disse...

Juliana, incrível essa informação a cerca do fascínio do "menino Luiz" em conhecer o bandoleiro lampião, muito obrigado por ter atendido a minha pergunta

Grato, Luiz Ramalho.

CARIRI CANGAÇO disse...

Juliana muito obrigado pela atenção a nossos estimados leitores.

Manoel Severo

José Mendes Pereira disse...

Juliana Pereira Ischiara:
Luiz Gonzaga é sem dúvida uma referência do Nordeste. Falou-se em seca, chuva, São João, baião, paz, tudo isso ele fala em suas belas canções. Lá em Pernambuco, em Exu, ele construiu pontes, estradas, isso com o seu próprio dinheiro, sem encarar que era obrigação do governo e da prefeitura. Muito desejava que a sua cidade Exu tivesse paz, devido algumas famílias não se entendiam.

Desejo a você e seus familiares Juliana, "UM FELIZ NATAL E PRÓSPERO ANO NOVO".
José Mendes Pereira - Mossoró-Rn.