Serra Grande e o Governador do Sertão

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O mês era novembro, o ano 1926, Lampião contava com perto de 90 cangaceiros em seu bando. Homiziado na Serra Grande, cerca de 25 km de Vila Bela, mantinha preso sob resgate de 16 contos de réis, o representante comercial da multinacional Standard Oil, Pedro Paulo Mineiro Dias.


Lampião em foto de 1926 em Juazeiro do Norte


No dia 27 daquele mês, depois de quase 15 dias de perseguição as volantes localizam o bando e irrompe violento combate entre o grupo cangaceiro e as volantes sob o comando geral de Teófanes Torres Feraz, e em campo comandadas por Manuel Neto, Arlindo Rocha e Higino Belarmino, mobilizadas para resgatar Mineiro Dias, ao todo eram cerca de 295 volantes contra perto de 90 cabras dos grupos cangaceiros.



O combate da Serra Grande teria se configurado como um dos maiores da história do cangaço. A luta que iniciou perto das oito da manhã se seguiu até o final do dia com um resultado desastroso para as tropas volantes, preponderantemente pela vantagem inegável do posicionamento estratégico dos bandidos em cima da serra; uma garganta de quase duas léguas de extensão; enquanto as volantes subiam quase de peito aberto de encontro ao ataque cangaceiro. Pela primeira vez na guerra contra os cangaceiros, estavam sendo usadas metralhadoras, no caso, duas hot Kiss. Primeiro chegaram as forças de Manuel Neto e Arlindo Rocha, aguardavam a chegada de Higino Belarmino para entrarem juntos na garganta da Serra Grande, segundo Marilourdes Ferraz em seu livro O Canto do Acauã, “tornava-se difícil traçar um plano com segurança relativa para os soldados. A serra, muito acidentada, era um local adequado para emboscadas”, o que com certeza veio a ser fatal para as forças volantes. O grupo cangaceiro estrategicamente localizado estava dividido em três frentes, aguardando a chegada dos soldados, que se organizavam; para o enfrentamento, entretanto as forças policiais não conseguiam se entender sob que plano executar para o embate vital, Higino havia traçado um plano exeqüível no que foi rejeitado por Arlindo Rocha, ao final Higino acabou ordenando o ataque que foi relato por Marilourdes Ferraz como segue: “Belarmino desistiu do ataque coordenado, puxou o relógio do bolso e disse que, quem fosse homem, subisse a serra. Escapasse quem Deus quisesse. E acrescentou São sete e quarenta e cinco. Fico aqui escutando a hora que a espoleta quebra em cima da serra”. E recorrendo a João Gomes de Lira relatamos a resposta dos outros comandantes da volante: “ Manuel Neto - venho de longe, com mais de 30 léguas, no encalço, para brigar, e quero é brigar. Já estou com o pé na embocadura da serra. Já vou subindo.” Já O anspeçada Euclides de Souza Ferraz também falou: - “Com meu pelotão da morte, também vou subindo a grande serra.” E o sargento Arlindo Rocha “Ah! Tá bom! Eu hoje também quero é almoçar bala!” Vendo Arlindo se adiantar, querendo tomar sua frente, Manuel Neto protestou:- “Não, Arlindo. Você sabe que a vanguarda é minha e não cedo o lugar.”

Manoel Neto

O combate se deu violento em todas as suas frentes, Antônio Ferreira combatia ora na vanguarda e ora na retaguarda do soldados, Higino por sua vez impediu que os bandidos fechassem a saída da garganta da serra impedindo um verdadeiro massacre. Nesse momento Manuel Neto teria sido atingido por vários balaços que cortaram as pernas e ali Lampião teria gritado: “Perdeu a fama hoje, cachorro azedo”. Perdendo as forças Manuel Neto conseguiu escapar da morte rolando serra a baixo sob a cobertura dos primos Antônio Capistrano e Euclides Flor e ainda do soldado Raimundo Barbosa, naquele momento a chuva de balas era enorme e as volantes em maior número de membros era fragorosamente derrotada sendo obrigada a abandonar suas posições de combate. O sargento Arlindo Rocha levou um disparo na boca que quase lhe destruiu a mandíbula, O curioso é que ele havia dito, antes de enfrentar os bandidos, que naquele dia "ia comer bala". Diante de um revés jamais imaginado os comandantes das forças volantes ordenaram a retirada imediata dos soldados, passavam das cinco da tarde e acabava ali um dos maiores combates da história do cangaço em Pernambuco.



Antonio Ferreira, irmão de Lampião ficou ferido de leve e Corisco abandonou temporariamente o cangaço após esse combate. Pelo lado das forças policiais dez soldados morreram e perto de 30 ficaram feridos. Já entre os cangaceiros, somente alguns feridos. O consolo para as forças volantes após o desastroso combate foi alimentar nos sertões o boato mentiroso da morte do irmão mais velho de Lampião, Antônio Ferreira, fato que só veria a acontecer em Janeiro de 1927 em um “sucesso” envolvendo o cangaceiro Luiz Pedro na fazenda Poço do Ferro em Floresta.


Higino Belarmino, Nêgo Gino, em foto de 1973


Após a memorável vitória sobre seus mais aguerridos perseguidores, Lampião se retira para a Fazenda do coronel Ângelo Gomes, o “Anjo da Gia”, ali urdiu um dos mais pitorescos episódios da história do cangaceira. O Rei do Cangaço mandaria uma ousada carta à maior autoridade do estado de Pernambuco. Ditada por Virgulino foi datilografada pelo próprio Mineiro Dias, na máquina de escrever portátil do mesmo que a colocou em um envelope branco com o ilustre destinatário: "Ex° governador de Pernambuco", o próprio seria o portador daquele importante documento escrito...

Lampião, O Governador do Sertão.



O então chefe de polícia Antônio Guimarães acabara levando a atrevida e ousada correspondência do audacioso Virgulino Ferreira para o Governador de Pernambuco Júlio de Melo. Na missiva o líder cangaceiro propõe à autoridade governamental a divisão do estado de Pernambuco em dois, sendo o próprio se auto-proclamado: Lampião – o Governador do Sertão. A referida carta havia chegado às mãos de Guimarães pelo próprio representante da Standard Oil, Mineiro Dias, solto sem pagamento de resgate, após o combate de Serra Grande. A divisão proposta por Virgulino, dividia o estado em dois: Lampião governaria o trecho de Rio Branco; atual Arcoverde; até o sertão e o governador: de Rio Branco até "onde bate a pancada do mar", a capital Recife. Àquela época em Rio Branco terminava a linha férrea da Great Western and Brazil Railway. O fato é que os jornais de então em muito contribuíram para o atrevimento, uma vez que estampavam quase que diariamente o título ao bandido, em função de suas incursões quase que impunes pelos sertões pernambucanos ao longo daqueles anos.



O governador Júlio de Melo teve poucos dias para se ocupar do desaforo, já no dia 12 de dezembro assume o governo, Estácio Coimbra que ato contínuo faz a nomeação para a chefia de polícia um jovem advogado, filho de uma família aristocrática da Zona da Mata, Eurico de Souza Leão, que teria a responsabilidade de responder à altura tamanha ousadia daquele que buscava desmoralizar as forças do estado. Começava ali uma urdida e bem engrenada campanha em Pernambuco para acabar com banditismo de Virgulino Ferreira.

CARTA DE UM GOVERNADOR PARA O OUTRO



Senhor governador de Pernambuco,
Suas saudações com os seus.
Faço-lhe esta devido a uma proposta que desejo fazer ao senhor para evitar guerra no sertão e acabar de vez com as brigas. (...) Se o senhor estiver no acordo, devemos dividir os nossos territórios. Eu que sou capitão Virgulino Ferreira Lampião, Governador do Sertão, fico governando esta zona de cá por inteiro, até as pontas dos trilhos em Rio Branco. E o senhor, do seu lado, governa do Rio Branco até a pancada do mar no Recife. Isso mesmo. Fica cada um no que é seu. Pois então é o que convém. Assim ficamos os dois em paz, nem o senhor manda seus macacos me emboscar, nem eu com os meninos atravessamos a extrema, cada um governando o que é seu sem haver questão. Faço esta por amor à Paz que eu tenho e para que não se diga que sou bandido, que não mereço. Aguardo a sua resposta e confio sempre.



Capitão Virgulino Ferreira Lampião, Governador do Sertão.

Consultas: Floresta uma Terra - um Povo ;Leonardo Ferraz Gominho, Canto do Acauã; Marilurdes Ferraz e as Memórias do Grande João Gomes de Lira.
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Um comentário:

Anônimo disse...

Viva os Nazarenos! Os maiores combatentes de Lampião em toda a história. Homens de coragem e valentia incomuns.

Gregório Lemos